Ocorrência de Gemas em Portugal
Uma Análise Geológica e Histórica
A investigação sobre a ocorrência de gemas em Portugal abrange uma complexa interação entre a geologia intrínseca do território e a sua rica história de intercâmbio cultural e comercial. É fundamental, desde o início, esclarecer a polissemia do termo "gema" no contexto português. Enquanto a questão principal se refere primariamente a minerais e rochas de valor ornamental e joalheiro, a palavra "gema" em português também se aplica a outros contextos, como a "sal-gema" (sal-gema), um mineral industrial de grande volume com jazidas significativas no país. Este relatório focar-se-á nas gemas geológicas, mas abordará a sal-gema devido à sua proeminência e ao seu desenvolvimento como recurso turístico e cultural.
A presença de gemas em Portugal pode ser analisada sob duas perspetivas principais: a das gemas que ocorrem naturalmente no território nacional e a das gemas que, embora não nativas, desempenharam um papel central na joalharia e na cultura portuguesas devido à importação. A compreensão deste panorama requer uma exploração aprofundada das formações geológicas do país e da evolução das rotas comerciais que moldaram o consumo e a perceção das pedras preciosas ao longo dos séculos.
Contexto Histórico da Utilização de Gemas em Portugal
A história da utilização de gemas em Portugal é um espelho das suas transformações sociais, económicas e das suas conexões globais. Desde os primórdios da ocupação humana até à era moderna, a relação com estes materiais evoluiu significativamente.
Períodos Pré-Históricos e Antigos
A utilização de gemas naturais em Portugal remonta à pré-história, evidenciada por achados arqueológicos. No Paleolítico, o azeviche, uma variedade ornamental de linhite de origem orgânica, já era empregado em contas de colar, sugerindo um uso ligado a rituais fúnebres e sincretismos. A proveniência geológica deste azeviche é, provavelmente, de níveis carbonosos nas arribas costeiras entre Peniche e Cabo Espinel.
Mais tarde, no Calcolítico, foram descobertos espólios que incluem contas de colar de tons verdes, conhecidas como "calaítes". Estas eram talhadas a partir de minerais como variscite, moscovite, talco, clorite e, em menor grau, turquesa. A variscite, por exemplo, ocorre em fraturas de rochas metapelíticas carbonosas do Silúrico, enquanto a turquesa é frequente em fraturas de quartzitos Ordovícicos no território português. Estes materiais constituem alguns dos recursos de gemas mais prevalentes nos achados arqueológicos mais antigos a nível europeu.
Um dos exemplos mais notáveis de exploração de gemas nativas na antiguidade é o das granadas. A jazida de Monte Suímo, em Belas, perto de Lisboa, foi explorada desde o período romano, tendo sido descrita por Plínio-o-Velho na sua "Naturalis Historia". A sua importância estendeu-se pela Idade Média e o Renascimento, sendo referenciada por Georgius Agricola em meados do século XVI. De facto, o período entre 300 a.C. e 700 d.C. é conhecido na Europa como o "milénio das granadas", dada a sua predominância antes dos contactos europeus com a Ásia e o Novo Mundo.
Tipos e Locais de Ocorrência de Gemas Nativas em Portugal
A geologia de Portugal Continental é caracterizada por três grandes unidades: o Maciço Antigo, as Orlas Meso-Cenozóicas e as Bacias do Tejo e do Sado. O Maciço Antigo, que ocupa cerca de dois terços do território, é composto essencialmente por séries xistentas Pré-Câmbricas e Paleozóicas, intrudidas por massas de rochas ígneas, predominantemente granitos, durante as orogenias hercínica e alpina. Esta complexidade geológica oferece um ambiente propício para a formação de diversos minerais, alguns dos quais com potencial gemológico.
Minerais de Quartzo

O quartzo é o grupo de minerais mais abundante na Terra e, consequentemente, o cristal mais comum encontrado em Portugal, de norte a sul do país. A sua ocorrência é vasta, sendo possível encontrar "a céu aberto" quartzos leitosos, cristalinos, e magníficas pontas e drusas. Os quartzos tendem a crescer em zonas ricas em água, com destaque para a Serra da Estrela, a Serra do Gerês e o Sudoeste Alentejano. Ao longo da costa alentejana, é comum encontrar seixos com mini geodos de quartzo nas suas fissuras.
Embora o quartzo seja ubíquo, a sua qualidade gemológica para fins comerciais de alto valor pode ser mais limitada em Portugal, com a maioria dos cristais de quartzo rosa de alta qualidade no mercado a provir do Brasil e Madagáscar. No entanto, o quartzo em Portugal, seja na sua forma cristalina ou leitosa, possui valor para colecionadores e para a joalharia artesanal. A sua formação em filões hidrotermais a baixas temperaturas é um processo geológico comum que explica a sua ampla distribuição.
O jaspe, uma variedade microcristalina opaca de quartzo, também está presente em todo o território nacional. É um mineral que pode conter dezenas de outros minerais e elementos, resultando numa grande diversidade de variedades e cores, sendo o vermelho o mais comum. A Serra de São Luís, em Odemira, é um local notável para a ocorrência de jaspe, predominantemente vermelho, mas também amarelo e saturno.
As Ametistas em Portugal são encontradas, predominantemente, no norte do país, em áreas montanhosas. Embora o norte seja o foco principal, a ametista não é o único mineral de destaque em Portugal; por exemplo, a Carminite, com coloração carmim, tem ocorrências conhecidas em locais como a mina de Gestoso (São Pedro do Sul), Mina de Lagoa (Viana do Castelo), Adoria (Vila Real) e nas Minas de Vale das Gatas (Vila Real).
Minerais Associados a Pegmatitos
Os pegmatitos são rochas ígneas intrusivas de composição granítica, caracterizadas pela sua granulação grosseira e pela presença de cristais de grandes dimensões. Em termos geológicos, são importantes depósitos de gemas, incluindo feldspatos, quartzo, berilo e estanho. Em Portugal, a maioria dos pegmatitos encontra-se na Zona Centro Ibérica da Cadeia Varisca Ibérica, abrangendo o Norte e Centro do país. Esta concentração geológica faz desta região um ponto de interesse significativo para a ocorrência de gemas.
O Berilo (Be3Al2Si6O18) é um mineral que ocorre em Portugal. Embora o berilo puro seja incolor, impurezas podem conferir-lhe diversas cores, dando origem a variedades gemológicas de alto valor, como a esmeralda (verde), água-marinha (azul), morganita (rosa) e heliodoro (amarelo-dourado). O berilo é comumente encontrado em pegmatitos graníticos , o que, dada a prevalência de pegmatitos em Portugal, sugere um potencial para a descoberta de variedades gemológicas deste mineral.
A Petalite é outro mineral associado a pegmatitos, e a sua ocorrência em Portugal está ligada a campos aplito-pegmatíticos, como o da Serra de Arga e o do Barroso-Alvão, no Norte do país. A petalite, tal como a espodumena, é um mineral litinífero, e a sua presença está correlacionada com as concessões de prospecção e exploração de lítio em Portugal. A exploração de lítio, um mineral industrial estratégico, pode, portanto, revelar reservas de gemas como subprodutos, o que representa uma oportunidade para o setor gemológico nacional.
A Espodumena, um piroxena litinífera, também ocorre em campos aplito-pegmatíticos em Portugal, nomeadamente em Almendra (na fronteira com Espanha), Barroso-Alvão e Gelfa. As suas variedades de qualidade gema incluem a Hiddenite (verde), Kunzite (rosa-lilás) e Trifane (amarela). A presença de componentes voláteis como boro, lítio e flúor nos pegmatitos é essencial para a cristalização de gemas como a turmalina , indicando o potencial para a sua ocorrência em Portugal, embora as principais fontes comerciais sejam globais.
A Apatite também é encontrada em Portugal, com a Mina da Panasqueira sendo notável pela ocorrência de apatite violeta de qualidade e raridade extraordinárias. Além disso, a apatite pode ocorrer como mineral acessório em outros depósitos minerais industriais.
O Crisoberilo (BeAl2O4), embora não explicitamente detalhado em termos de ocorrência em Portugal, é a terceira gema natural mais dura, e a sua variedade alexandrita, de alto valor comercial, é extremamente rara devido às condições geológicas específicas necessárias para a sua formação (reação de fluidos pegmatíticos ricos em berílio com rochas ricas em crómio).
A Lazulite-scorzalite é outro mineral com registo de ocorrência em Portugal, em particular na Torre de Moncorvo, no Distrito de Bragança. A scorzalite, um mineral azul profundo, forma-se em xistos metamorfizados e como mineral de substituição em diques pegmatíticos ígneos.
O Topázio ocorre tipicamente em pegmatitos, veios de quartzo de alta temperatura e em cavidades presentes em rochas ácidas como granito e riólito. Na área de Gonçalo, a sua presença está associada ao granito da Guarda e a uma fácies de granulado mais fino, conhecida como granito de Alvarões. Também se encontra em associação com um granito de duas micas e o complexo xisto-grauváquico. O topázio de Gonçalo, é descrito como raro, branco a hialino (incolor) e idiomorfo. Pode exibir uma cor verde claro ou azul esverdeado transparente, com cristais que geralmente ultrapassam 1 cm, formando por vezes agregados de até 4 cm de diâmetro.
É importante notar que, para gemas de alto valor como o corindo (rubi e safira), as condições de formação (altas pressões e temperaturas, presença de crómio, ferro e titânio) são muito específicas, tornando a ocorrência de corindo de qualidade gemológica rara a nível global. A história da joalharia portuguesa, como referido, demonstra que rubis e safiras foram maioritariamente importados , o que sugere que Portugal não possui depósitos significativos destas gemas.
Gemas dos Açores
Nas formações vulcânicas dos Açores ocorrem mais de 100 minerais, sendo o grupo das Olivinas as gemas mais evidente como a Ágata dendrítica, olivinas em areia, peridoto, augita, obsidiana e olivinas em basalto. Alguns minerais só existem ali, são os "minerais tipos" amplamente estudados por entusiastas e acadêmicos.
Outras Ocorrências Notáveis
Portugal possui outras ocorrências de minerais com interesse gemológico ou industrial.

A Turmalina forma-se comumente em pegmatitos e a variedade mais comum é a schorl (turmalina preta). A sua ocorrência em Portugal é esperada em ambientes pegmatíticos, frequentemente como subproduto de outras lavras.
A Calcite é o mineral principal do calcário, uma rocha sedimentar química extraída principalmente na região da Serra de Aire e Candeeiros, em Portugal. Existem também diversas pedreiras e locais conhecidos pela ocorrência de calcite em Portugal, como a Pedreira do Vidro em Moita do Poço, a Cruz dos Meninos em Estremoz, e as pedreiras do Alto da Serra e Cabeça da Chã em Rio Maior.
Para além da jazida das Granadas de Belas, também podem ser encontradas em Vila Praia de Âncora em Caminha, e um pouco por todo o território desde Braga até Beja.
No Monte Suímo a extração de "carbúnculos" (nome antigo para granadas rubras) eram extraídos de um solo argiloso seco e duro, o que poderia indicar escombreiras de explorações precedentes.
Atualmente, as granadas rubras de Belas não têm mais do que dois ou três milímetros, e o acesso à mina é condicionado (Área Militar) sendo possível encontrar pequenos espécimes nas escombreiras fora dessa área. Granadas ocorrem em basaltos filonianos do Complexo Vulcânico de Lisboa-Mafra. As granadas compreendem um grupo de minerais que inclui Almandina, Andradite, Grossulária, Piropo, Espessartite e Uvarovite. Aparecem como minerais acessórios numa vasta gama de rochas, como granitos, gnaisses, micaxistos, mármores, serpentinas e peridotitos. A percentagem de granadas com qualidade gemológica em Portugal é limitada, sendo raros os exemplares de grande dimensão e cor intensa.
A qualidade da Opala é determinada pela regularidade do empacotamento das suas esferas de sílica. Embora haja opalas em Portugal, não há informações sobre a ocorrência de opala de qualidade gema em Portugal. As opalas mais comuns em Portugal são de cor verde, vermelho e amarelo transparente.
A Libethenite, um mineral de fosfato de cobre hidróxido raro e de um verde escuro impressionante, pode ser encontrado em Portugal, nomeadamente na Mina Miguel Vacas, em Conceição, Vila Viçosa, Évora. Embora a descoberta original da libetenite tenha ocorrido na Eslováquia, a sua presença em Portugal, especialmente na Mina Miguel Vacas, é considerada uma raridade e um material de coleção valioso.
O sal-gema (cloreto de sódio), embora não seja uma gema preciosa no sentido tradicional, é um mineral de grande importância económica e geológica em Portugal. As minas de sal-gema, como a de Loulé, são extensas, com galerias que se estendem por 45 quilómetros a 230 metros de profundidade, testemunhando a presença de um antigo mar salgado há 230 milhões de anos. Esta mina é única no país pela sua extração em túneis e tem sido um foco de projetos de turismo mineiro, visando a sua reutilização como espaço expositivo, museológico e pedagógico. Outras concessões de sal-gema existem em locais como Carriço e Matacães. A presença de sal-gema é um exemplo de como a geologia de Portugal, incluindo a formação de materiais evaporíticos durante o Triássico, contribuiu para a sua riqueza mineral.
O “Sal de Rio Maior” e “Flor de Sal de Rio Maior” o sal de fonte salina situado em Rio Maior onde é obtido através de colheita manual, a partir do processo natural de precipitação de águas salinas subterrâneas, constituído por água, cloreto de sódio e outros sais minerais e oligoelementos, exclusivamente provenientes dessa água.
Gemas em Portugal, conclusões:
Em suma, a "ocorrência de gemas em Portugal" deve ser compreendida não apenas como a presença física de minerais no solo, mas também no contexto da sua exploração histórica, das influências comerciais globais, do desenvolvimento de uma infraestrutura gemológica e do crescente reconhecimento do seu valor cultural e turístico. O futuro do setor passa pela contínua investigação geológica, pela clarificação de quadros legais para a exploração de gemas e pela promoção sustentável do rico, embora por vezes discreto, património mineralógico de Portugal.